14 jul 2022 | 10:43:32

Nota de falecimento: Samir Abujamra


Samir Abujamra

Imagem: Divulgação ABCPCC

O turfe brasileiro perdeu, nesta quinta-feira (14), uma das suas mais brilhantes personalidades. Faleceu, em São Paulo, Samir Abujamra.

Não haverá velório ou cerimônia de sepultamento.

Contrariando uma quase regra – predominante, principalmente, nas últimas décadas -, Samir descobriu o turfe e enveredou pelas suas minúcias de maneira autônoma, sem influência familiar. De frequência cada vez mais assídua no dia a dia do Jockey Club de São Paulo e incentivado, principalmente, pelo fundamental José Paulino Nogueira, o advogado de formação (profissão na qual militou por pouco tempo) passou a colaborar, profissionalmente, com a entidade, na década de 1960. Além de ocupar o posto de handicaper do JCSP, Samir – já em sinal de reconhecimento à sua notável erudição – restou designado como editor da Revista Turf & Fomento.

A referida publicação, que, até então, correspondia a um tabloide sem grande nível de sofisticação, ao ser abraçada pelo JCSP mediante o trabalho de Samir, converteu-se na mais importante revista especializada em turfe, na história do esporte, em nosso país.

Também por meio da Turf & Fomento, Samir estabeleceu e passou a nutrir contato com diversos atores do turfe internacional. A partir daí, teve a oportunidade de realizar aquela que, talvez, tenha sido a sua mais importante incursão profissional. Ainda nos anos 1960, Samir compareceu, pela primeira vez, aos leilões de Newmarket, na Inglaterra. Com grande mérito, tornou-se, pouco depois, representante brasileiro na British Bloodstock Agency – que, durante a primeira metade do século XX, foi a mais proeminente agência do mundo turfístico.

Por mais de cinquenta anos, ininterruptamente, ele fez-se presente aos leilões britânicos. Não se tem notícia de qualquer outro agente internacional que o fez com a mesma frequência. Também por esse motivo, Samir restou condecorado com uma medalha oferecida pela leiloeira Tattersalls, em reconhecimento às suas contribuições e participação durante tão extenso período de tempo.

A partir do momento em que estendeu sua atuação ao turfe internacional, Samir passou a operar como ponto focal, de informações e conhecimento, para uma extensa gama de criadores e proprietários radicados no Brasil. Nesse contexto, muitos começaram a tomar seus serviços de assessoramento de plantéis e, principalmente, para a aquisição de animais no exterior. Numa época em que muitas das importações de reprodutores correspondiam a animais que, muito embora dotados de relevantes pedigrees, padeciam de debilidades morfológicas ou de campanha, Samir apresentou a muita gente uma nova possibilidade: opções mais rentáveis de animais, que, além de uma boa carga genética, também fossem capazes de trazer ao Brasil padrão físico e retrospecto em pista.

Um dos gigantes da criação nacional, em todos os tempos, Ghadeer foi, talvez, o maior dentre todos os animais cuja importação deu-se com a sua atuação. Roi Normand, que também deixou enorme legado, representou outra negociação levada a cabo por Samir. Falkland e Millenium – que se fazem constantes às filiações de históricos corredores – igualmente aqui chegaram pelas suas mãos.

As linhas maternas, que muito potencializaram a genética brasileira, nos últimos 50 anos, acusam, da mesma maneira, o apoio fundamental de Samir. Skyle e Redbrick, importadas no boom de Bagé, nos anos 1970, são as nascentes de rios que desaguam, até hoje, numa enorme quantidade de ganhadores de G1, reprodutores e matrizes de sucesso.

Na direção oposta, ou seja, das exportações, Samir foi tão importante quanto. Se hoje presenciamos, com frequência, o movimento de criadores estrangeiros na aquisição de éguas brasileiras para utilizá-las como reprodutoras, não há como ignorar a gênese desse tipo de operação – que passou pela participação de Samir nas vendas de Caferana, Euphorie, First Crop, Long Lady, Luzette e Love Potion (algumas delas já sediadas, à época, em outros países). Abriu-se um novo horizonte num tempo em que o PSI brasileiro era tratado à base do exótico e do subestimado. À medida que, a partir dessas matrizes, surgiram diversos ganhadores clássicos (em diferentes países e continentes), tanto provou-se a qualidade de nossas éguas (e, por consequência, de nossa criação) quanto a credibilidade de Samir, no mercado.

Sua relevância, nas negociações diversas envolvendo cavalos de corrida, atravessou gerações. Mais recentemente, num capítulo repleto de sucesso, em todos os aspectos, foi Samir quem intermediou a exportação para o Japão de New Year’s Day, logo após a vitória de Maximum Security (a despeito de sua desclassificação) no Kentucky Derby de 2019. Com os produtos do negócio, como amplamente sabido, houve a vinda de mais garanhões ao Brasil, de modo que é possível afirmar que a atuação de Samir, nessa ocasião, segue reverberando em proveito de uma infinidade de criadores, proprietários e profissionais.

Apesar de tantos feitos e de um currículo de tamanha extensão, fato é que Samir sempre prezou pela discrição. Silencioso, trabalhou à margem da autopromoção, sendo que muitas de suas colaborações profissionais, inclusive, são desconhecidas do grande público. A implementação informatizada do banco de dados e da ferramenta de pesquisa (de animais e resultados) do Stud Book Brasileiro, na década de 1990, somente foi possível em virtude da dedicação de Samir, que emprestou seu tempo a conhecer o sistema do The Jockey Club, nos Estados Unidos, e chegar ao ponto de, mesmo sem ter qualquer formação na área, conseguir explicar aos técnicos brasileiros aspectos de programação e computação do modelo norte-americano – sem prejuízo de facilitar a comunicação entre esses mesmos técnicos brasileiros e os responsáveis pelo que se fazia nos Estados Unidos.

Se hoje, portanto, temos ao alcance de nossos dedos, em questão de segundos, uma vasta quantidade de dados e informações a respeito dos plantéis do PSI brasileiro e de nossas corridas, muito disso passa pela boa vontade externada por Samir, há quase 30 anos. E isso sem exigir qualquer crédito ao seu nome.  

Ainda na sua agenda privada, de manter-se alheio aos holofotes, recebeu e ciceroneou, nos anos 2000, nas dependências do Jockey Club de São Paulo (em período contemporâneo, ocupou a cadeira de diretor da comissão de corridas), o Príncipe Khalid Abdullah, um dos muitos célebres amigos de Samir. Na ocasião, limitou-se a atender o titular da Juddmonte Farms – sem reclamar fotografias, filmagens ou qualquer coisa que fosse possível refletir em seu proveito próprio.

Além das duas décadas de colaboração com a Turf & Fomento, Samir publicou, em 2010, o livro “Turfe – Histórias e Memórias” e, mais recentemente, em junho, lançou “Conversas de Turfe”. Na redação desse último, aliás, propôs-se a contar um pouco da história de grandes personalidades da criação mundial – tarefa árdua e que foi, corajosa e exitosamente por ele enfrentada, ainda que já distante das suas melhores condições de saúde.

Samir também não se permitiu a pausa necessária à intensificação dos cuidados médicos enquanto não concluiu a última carta de monta que lhe fora encomendada, visando a próxima temporada. Somente, portanto, após dar-se por convencido de que não havia nenhuma missão pendente e que nenhum dos seus clientes e amigos havia lhe pedido algo que não houvesse cumprido, é que aceitou arrefecer o ritmo de uma vida tão tenaz.

Tenaz. Discreto. Brilhante.

O turfe brasileiro agradece Samir Abujamra por tanto.

A ABCPCC (entidade da qual era associado benemérito e cuja diretoria teve a honra de lhe condecorar com o Troféu Mossoró, de honra ao mérito, em 2017) presta votos de luto e condolências aos amigos e familiares.

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