23 fev 2024 | 17:42:12

Ícone do esporte, Aidan O'Brien concede entrevista ao Racing Post

Confira a tradução da entrevista realizada por Martin Stevens, publicada no website do noticiário turfístico britânico.


Aidan O'Brien ocupa lugar cativo entre os maiores treinadores de todos os tempos.

Imagem: NPHO/Oisin Keniry/TDN

Na última segunda-feira, o Racing Post publicou, em seu website, uma entrevista - realizada por Martin Stevens - junto a Aidan O'Brien. Treinador que está à frente dos animais da Coolmore desde meados dos anos 90, O'Brien coleciona uma série de recordes e conquistas que lhes colocam em meio aos maiores profissionais de sua classe, em todos os tempos.

Na conversa tida com Stevens, O'Brien abordou diferentes assuntos relacionados à sua carreira: desde o início de sua jornada profissional, passando pelos grandes nomes (tratando de suas características, físicas e comportamentais) que treinara e atingindo, por fim, suas reflexões a respeito das marcas e feitos que talham seu nome, enquanto prestigiado treinador.

Confira, abaixo, uma tradução livre da entrevista. O conteúdo original, na íntegra, pode ser acessado aqui: https://www.racingpost.com/bloodstock/news/good-morning-bloodstock/justify-could-be-the-best-ever-picking-aidan-obriens-brains-about-breeding-aMyEN0a5ag65/ 

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Aidan O'Brien muitas vezes pode parecer ansioso, um tanto estranho e até mesmo um pouco austero, em grandes dias de corrida, pois dedica toda a sua atenção a checar seus cavalos e a conversar sobre as estratégias das corridas com os jóqueis; ou parece preocupado, com uma conversa aparentemente intensa, em seu celular.

Ele é, sempre, extremamente educado nas entrevistas transmitidas, é claro, mas o alisamento nervoso do cabelo, a testa franzida e aquele tique verbal involuntário de implorar ao público para que preste atenção no que tem a dizer, revelam o fato de que ele preferiria estar em qualquer outro lugar, que não fosse em frente de uma câmera.

No entanto, ao encontrá-lo em Ballydoyle, num dia tranquilo, no auge do inverno, ele exibe uma personalidade bem diferente: cortês e cooperativo, como sempre; mas menos cauteloso, mais autoconfiante e revelando um senso de humor surpreendentemente aguçado.

Sem dúvida, colabora o fato de que, apenas alguns dias antes, Warm Heart havia vencido a Pegasus World Cup Turf Invitational, em Gulfstream Park, sob direção magistral de Ryan Moore, em seu "canto do cisne" antes de visitar Justify na Ashford Stud, no Kentucky - uma combinação que replica o cruzamento que criou a mais recente estrela de Ballydoyle, City Of Troy.

Warm Heat rendeu a O'Brien a Pegasus World Cup Turf (G1) e seguiu para a reprodução - a fim de ser coberta por Justify.

Imagem: Mathea Kelly/Blood Horse

Talvez porque deixei claro, ao ligar meu gravador, que estou aqui, apenas, para saber o que ele pensa sobre criação, garanhões e mercado, ele também esteja aproveitando a oportunidade de falar sobre algo diferente do que onde seus principais cavalos correrão, como eles são e quem irá montá-los.

O rosto de O'Brien, certamente, se ilumina ao relembrar sobre ter pilotado os vencedores clássicos Jet Ski Lady e St Jovite, bem como dos seus primeiros passos, como assistente de Jim Bolger, em Coolcullen - depois de eu recordar daqueles, que foram alguns dos meus cavalos favoritos, em minha juventude.

No entanto, St Jovite não teve tanto sucesso como pai, observo, levando-o a responder pensativamente: “Não, ele era um cavalo forte e resistente, mas era um pouco lento e sua produção era assim também."

Raro e antigo registro de O'Brien em seus tempos de jóquei.

Imagem: Internet

Então, quer dizer que ele estava, realmente, interessado em acompanhar o sucesso e o fracasso dos garanhões, na ascensão e queda das linhagens de garanhões, e não apenas era “forçado” a se preocupar com esses assuntos, na sua função de desenvolvedor desses cavalos para a Coolmore?

“Eu provavelmente estava”, diz ele. “Quando eu era muito jovem, procurei um emprego na Coolmore. Eu costumava receber o folheto de garanhões da Coolmore todos os anos e adorava folheá-lo. O primeiro cavalo que realmente ficou na minha mente foi Sadler’s Wells e tudo começou a partir daí.”

Ele tem boas lembranças, especialmente de um dos últimos garanhões de sucesso enviados para Coolmore pelo lendário Vincent O’Brien, seu antecessor em Ballydoyle e arquiteto do centro de treinamento, incrível e cuidadosamente, planejado.

“Vou lhe contar como me lembro de Royal Academy”, diz ele com um sorriso. “Jim [Bolger] enviou Annemarie e eu a Nova York, para passarmos férias na Breeders’ Cup, antes de nos casarmos e, então, assistimos à grande vitória de retorno de Lester Piggott, como fãs comuns na multidão."

“O que realmente fica na memória é que Jim pagou pelos voos e pelo hotel, mas não tínhamos dinheiro para tomar o café da manhã lá porque tudo no menu era muito caro. Tivemos que descer até o metrô para tomar café da manhã!”

E o jovem casal não se arriscou a apresentar ao patrão uma conta de despesas ao regressar à Irlanda? “Hum, não”, ele diz secamente.

No retorno de Lester Piggot da aposentadoria, Royal Academy venceu - diante de O'Brien, de sua futura esposa Annemaria e de outros milhares de turfistas - a Breeders' Cup Turf (G1), em Belmont Park, no ano de 1990.

Imagem: Racingfotos.com/TDN

O'Brien pode ter gostado de olhar os reprodutores de primeira linha no folheto da Coolmore em sua juventude e de ter trabalhado, na prática, com muitos cavalos clássicos, em sua época de assistente de Jim Bolger. Porém, quando ele assumiu a licença de treinador do pai de Annemarie, nas cocheiras de Joe Crowley, em Piltown, no ano de 1993, O’Brien teve que fazer seu nome com cavalos de obstáculos - e outros de corridas sem obstáculos, mas bastante baratos.

“Os cavalos de obstáculos foram uma forma de seguirmos em frente, pois tínhamos mais condições de comprá-los”, diz ele. “O pai de John Nallen, Jack, teria sido uma das primeiras pessoas a nos apoiar nos saltos, e o pai de Annemarie sempre se saiu bem comprando cavalos baratos, que ninguém mais queria, em leilões, e negociando-os depois que eles ganhavam".

“Os cavalos de corrida sem obstáculos, que tínhamos conosco, eram filhos dos mais variados reprodutores existentes, naquela época. Se você voltar no tempo e reparar, encontrará todos os tipos. Acho que nosso primeiro vencedor do grupo foi Dancing Sunset, uma potranca filha Red Sunset, de Patrick Burns".

“Tivemos contato com uma enorme porção de pedigrees e animais que custavam apenas quinhentos ou seiscentos euros, nos leilões. Sempre soubemos que, se quiséssemos os cavalos da melhor raça, teríamos que trabalhar para John Magnier".

Classic Park, vencedora dos 1000 Guinéus (G1), em 1996, foi um dos cartões de visita de O'Brien - antes de assumir, em definitivo, o treinamento dos animais da Coolmore.

Imagem: Pat Healy/Racing Post

A capacidade de O'Brien de transformar metal tosco em ouro, conforme demonstrado por um alto percentual de vitórias, em ambas modalidades de corrida, além de uma estatística de treinadores de obstáculos, em 1993/94, chamaram a atenção de Magnier e de seus associados. As chaves de Ballydoyle foram, devidamente, entregues a O’Brien em 1996.

“The lads”, como O’Brien se refere aos patronos da Coolmore, também concederam ao jovem treinador acesso à produção dos principais garanhões da época, como Sadler’s Wells, objeto de sua admiração adolescente, bem como de Fairy King e Woodman.

Porém, foi um "amigo em comum" com Danehill – cuja primeira temporada, como garanhão, coincidiu com a chegada de O'Brien a Piltown - que lhe rendeu seu primeiro vencedor do Grupo 1, em sua nova jornada, apenas alguns meses depois de 1996, quando Desert King conquistou o National Stakes, em Curragh.

“Quando começamos a treinar, costumávamos comprar potrancas Danehill por dois ou três mil, você acredita”, lembra O’Brien. “Eles eram todos tortos, eram de vários tipos, mas todos venceriam".

“Eles deveriam ser velocistas, mas quando John começou a nos dar Danehills de melhor raça, descobriu-se que eles poderiam ir à distancia; eles faziam de tudo. Não importava o quão tortos eles fossem, eles eram apenas os cavalos mais saudáveis, com boa garganta e os físicos com maior sanidade que você já viu. Eles eram duros e resistentes. Ele transmitia isso. No minuto em que você o vê em um pedigree, você sabe que isso acontecerá novamente”.

Danehill.

Imagem: Stallions.com.au

A suspeita inicial de Aidan e Annemarie de que Danehill poderia ser algo especial, e a confirmação trazida por seus corredores de Ballydoyle, então melhor criados, convenceram o jovem casal a apostar, em definitivo, no garanhão.

O resultado foi que, com Joe Crowley, eles criaram um dos melhores filhos de Danehill: Rock Of Gibraltar, da sua nona geração, cujo custo de concepção ainda era de razoáveis £ 35 mil.

“O pai de Annemarie e nós éramos donos da égua Offshore Boom”, diz O’Brien. “Ele comprou para nós cerca de quatro ou cinco éguas por pouco dinheiro naquele inverno, a Offshore Boom estava nesse lote e, antes mesmo de elas voltarem para o haras, já tínhamos decidido com quem cobrir-las”.

“Elas todas iriam para Danehill, caso conseguíssemos cobrir com ele. Não importava se fossem filhas do próprio Danehill: era para ele que iriam!"

“E foi daí que veio o Rock Of Gibraltar. Ele chegou, começou liderando os animais de dois anos e, depois de um tempo, os potros não conseguiam mais acompanhá-lo. Ele era muito duro e resistente.”

Rock Of Gibraltar, que ganhou fama ao vencer sete provas de Grupo 1 consecutivas e morreu aos 23 anos, em 2022, não se revelou, porém, uma fonte confiável de material de Grupo 1 para O'Brien, nas suas duas décadas como garanhão na Coolmore.  Sua cobertura caiu para € 5 mil, nas suas duas últimas temporadas.

Ladeado por seu proprietário, o técnico multicampeão de futebol, no Manchester United, Alex Ferguson, Rock of Gibraltar é fotografado após uma de suas várias vitórias.

Imagem: The-Athletic.com

Mas, de repente, Rock of Gibraltar conseguiu produzir um excelente milheiro - e herói do Queen Elizabeth II Stakes (G1), ano passado, o qual venceu por ampla margem, chamado Big Rock - parte da reduzida 17ª geração de Rock of Gibraltar e criado a partir de uma cobertura de € 7,500 mil. Com uma certa ironia sombria, o potro criado por Yeguada Centurion pode ser uma mosca na sopa para os melhores cavalos de milha de O'Brien, este ano.

“Rock Of Gibraltar lidou bem com a pista macia e Big Rock também; na verdade, ele parece ter uma pata a mais, nesse tipo de raia”, reflete O’Brien. “Quando você tem um cavalo que consegue lidar com situações adversas como ele, pode ser difícil encará-lo, a menos que você tenha um cavalo que também goste de lama".

Então, estaria O’Brien preocupado com o fato de Big Rock atrapalhar os planos de qualquer prospecto de garanhão baseado em Ballydoyle ao longo de 2024?

“Nunca estou preocupado”, ele responde com alegria. “Ele correrá por nós e nós o alcançaremos ou não".

Outro reprodutor que desempenhou um papel importante nos anos de formação de O'Brien como treinador, contratado para Coolmore, foi o “caixa eletrônico” do Kentucky, Storm Cat. Jovem e caro, filho do campeão de Vincent O'Brien, Storm Bird, despontou, por meio de seus filhos, em Ballydoyle, na virada do milênio.

“Deus nos abençoe, ele era um grande cavalo, não era?” comenta O'Brien. “Giant’s Causeway foi o primeiro deles aqui, e ele ganhou tudo mesmo, era um cavalo inacreditável. Então, naturalmente, os “patrões” ganharam muita força com ele (Storm Cat) depois disso".

“Os Storm Cats eram afiados. Um bocado ‘loucos’, no entanto. Eles atravessariam uma parede, não tinham qualquer tipo de autopreservação. Eles eram rápidos, fortes e poderosos, mas loucos. Eu diria que se eles estivessem em estado selvagem, não haveria como pará-los. Você conheceria um Storm Cat por suas características, sem precisar olhar o pedigree. Você ainda vê isso em cavalos com ele em suas filiações”.

Storm Cat.

Imagem: Tony Leonard/Daily Racing Form

Enquanto O'Brien tentava aproveitar o talento bruto daqueles explosivos descendentes de Storm Cat, Galileo - o produto do estável e robusto Sadler's Wells na heroína do Arco do Triunfo, Urban Sea - chegou ao seu “quintal”.

Um jovem Galileo poderia ter pouco em comum com os potros de dois anos de Storm Cat, mas eles compartilhavam um atributo fundamental: a disposição de atravessar a barreira da dor, que beirava a autodestruição.

“Ele sempre foi muito visado e destacado, desde o momento em que chegou aqui”, recorda O’Brien. “Às vezes, cavalos assim dão certo, às vezes não, mas havia algo na maneira como John (Magnier) falava sobre Galileo. Você poderia dizer que ele acreditava nele como jamais havia acreditado num cavalo, anteriormente”.

“Ele só estreou no final da temporada de dois anos, mas já estava pronto para correr três ou quatro vezes antes disso. O problema era que, por ele se esforçar tanto, ele exagerava no último trabalho, toda vez que o treinávamos. Ele simplesmente fazia demais e, em seguida, ficava um pouco desligado e quieto por uma semana, então teríamos que deixá-lo sozinho novamente".

“Ele era incrivelmente genuíno. A maioria dos cavalos, quando você pede para eles trabalharem, parasse doarão 90% por você. Mas ele parasse doaria 120% e 'se mataria' no processo. Então eu treinei demasiadamente, algumas vezes, e ele acabou tendo tosse, porque tinha se dedicado demais".

Galileo.

Imagem: Divulgação Coolmore

“Achávamos que ele era um cavalo para o Dewhurst (prova de G1), mas no final ele só correu no final de outubro, quando venceu, na estreia, em Leopardstown, por 14 corpos. Ele esfuziou, imediatamente, à frente dos demais. Isso nunca acontece. Mick (Kinane) disse que nunca sentiu nada parecido, depois da corrida”.

Ele acrescenta, em voz baixa, aparentemente ainda perplexo com a recordação sobre a habilidade “sobrenatural” de Galileo: “Foi muito incomum. Já tive muitos outros cavalos que eram genuínos, que se dedicavam, mas nenhum tinha tanta qualidade quanto ele”.

Galileo confirmou-se enquanto um cavalo brilhante, com vitórias no Derby de Epsom (G1), no Derby Irlandês (G1) e no King George VI & Queen Elizabeth Stakes (G1), aos 3 anos, antes de ingressar na Coolmore, sob a condição de um excelente garanhão, em potencial. Ocorreu, porém, que O’Brien precisou lidar com  um ”alarme falso”, quando Galileo deu início à sua nova jornada (de reprodutor).

A primeira geração de Galileo  mostrou-se  acanhada, rendendo apenas um vencedor clássico e não dando nenhum sinal dos numerosos cavalos de Grupo 1 de dois anos que ele viria a produzir. Coube a Jim Bolger explorar seu brilhantismo, revelando muitas das primeiras estrelas de Galileo, sobretudo New Approach e Teofilo, e, depois, colher os frutos financeiros por tê-lo feito.

Jim Bolger: sucesso com os produtos de 2 anos filhos de Galileo.

Imagem: Irishindependent.com

O'Brien agora reconhece que errou, com Galileo, anos atrás, em seu início como reprodutor.

“Não recebemos muitos dos primeiros Galileos de dois anos, e os que tivemos, acabamos treinando com muito cuidado, por causa da maneira como ele era”, diz ele.

“Estávamos muito conscientes de como ele 'se passava', caso você o treinasse demais e, por isso, sempre íamos com calma, com seus primeiros filhos, para deixá-los pegar o jeito em seu próprio tempo - se eles não estivessem prontos aos dois anos, esperaríamos por eles aos três”.

“Embora tenhamos sido cautelosos com os potros Galileo, de dois anos, Jim os treinou forte e descobriu-se que era disso que eles precisavam.”

Não há arrependimentos, no entanto. O'Brien simplesmente não faz isso.

Ele diz: “É somente treinando cavalos que você descobrirá o que deve ou não fazer com eles. Se você não tentar muitas coisas diferentes, muitas vezes nem começará”.

“Cada cavalo é totalmente diferente, um do outro. Se não funcionar, mude, e se ainda não funcionar, mude novamente”.

Com passagem pelo Brasil, Soldier of Fortune foi um dos primeiros filhos de Galileo a brilharem "nas mãos" de O'Brien.

Imagem: Divulgação Coolmore

Com o abandono dos treinamentos suaves com os descendentes de Galileo, O'Brien, rapidamente, recuperou o tempo perdido. Trabalhou com vários vencedores na esfera clássica dele, que foi 12 vezes campeão das estatísticas de garanhões, desde o seu primeiro ganhador clássico enviado a Ballydoyle, Soldier Of Fortune, até a mais recente, Warm Heart.

Então, o que fez de Galileo um pai tão bom?

“Eles são exatamente como ele era: incrivelmente genuínos”, responde O’Brien sem hesitar um momento. “Se você trabalhar com eles hoje, eles não se abaterão no dia seguinte. Se você trabalhá-los demais, não importa; você, simplesmente, não os afeta”.

“Bem, talvez você possa os afetar, mas eles não vão usar isso contra você. A maioria dos cavalos, se você trabalhar muito com eles hoje, eles se lembrarão disso amanhã, e lhes darão sinais de que não querem retornar, tão cedo, para a raia. Essa é a autopreservação básica que a maioria dos puros-sangues possui.”

“Mas os Galileos nunca tiveram isso. Você poderia galopá-los até cair todos os dias e eles ainda iriam querer fazer tudo de novo, no dia seguinte. A maioria dos cavalos não faria isso. Essa qualidade está em toda sua produção e é por isso que suas éguas são tão boas para reprodução. Os descendentes dessas éguas, sejam quais forem os pais, receberão essa vontade de vencer.”

É comovente ouvir O’Brien falar sobre a descendência de Galileo no presente. Ele está certo, é claro, pois ainda tem muitos deles sob seus cuidados. Mas esses dias estão contados, já que a última geração do reprodutor compreende apenas cerca de uma dúzia de crias de dois anos.

Uma era dourada para os impérios de Ballydoyle e Coolmore está chegando ao fim. É bastante triste para nós, entusiastas de pedigree, que gostamos de ver Galileo gerar vencedores de Grupo 1, com precisão e regularidade quase mecânicas. Mas, certamente, a morte do reprodutor deve ter trazido mais do que um mero nó na garganta do homem que dependeu dele para a maior parte de suas estrelas por quase duas décadas. Correto?

A resposta de O’Brien me surpreende. É um não inequívoco. Aos poucos, estou percebendo que grande parte do sucesso do mestre de Ballydoyle deve-se a esta atitude fatalista, não se preocupando com coisas que estão além do seu controle e apenas lidando com os problemas à medida que eles surgem.

“Para falar a verdade, não considero nenhum dia garantido, encaro as coisas hora a hora e aconteça o que acontecer, acontece”, diz ele. “Todos pensamos que estaremos aqui amanhã, mas não temos certeza. É assim que lidamos com tudo. Nós lidamos com algo e passamos para a próxima coisa. Não importa o quão bom ou ruim seja, acabou. É assim que trabalhamos”.

“Não me preocupei com a morte de Galileo. O “chefe” (referindo-se a John Magnier) está sempre preparado. Esse é o diferencial dele: sempre vê a floresta por trás das árvores e pensa muito à frente de todos os outros. Ele está pensando tão à frente que as pessoas realmente não entendem por que ele está fazendo  àquilo, naquele determinado momento”.

Justify.

Imagem: Divulgação Coolmore

“John obviamente sabia que Galileo estava chegando ao seu fim. Ele planejou isso com bastante antecedência, e comprou dois garanhões - Justify e Wootton Bassett - para ocuparem seu lugar. Ele não sossegou até que os tivesse comprado”.

“Ele estava pensando muito à frente de qualquer um de nós. Ele sabia que aqueles dois cavalos serviriam para tudo o que ele tinha, e também para o cenário mais amplo. Eles funcionam com qualquer égua, mas são especialmente feitos, sob medida, para éguas Galileo”.

O’Brien está tão empenhado em viver o momento, e pouco disposto a deleitar-se com o sucesso ou chafurdar na autopiedade, que afirma estar alheio ao fato de Galileo ter produzido, até aqui, 99 vencedores do Grupo 1.

“Esses marcos não significam nada para mim, mal consigo me lembrar do dia de ontem”, ele protesta com uma risada, embora se controle um pouco quando eu digo que os fãs de corrida apreciam o debate sobre esses números  - e que os jornalistas precisam de algo sobre o que escrever.

“Não, não, certo, todos temos o nosso trabalho a cumprir”, ele sorri. “É claro que esperamos ter o 100º vencedor de Grupo 1 para o Galileo. Jackie Oh é uma potranca muito boa e está de volta ao treinamento, e eu também não descartaria Content fazendo isso. Ela acabou de perder na Breeders’ Cup, mas pode render muito bem este ano”.

Wotton Bassett.

Imagem: Divulgação Coolmore

Trata-se de um ano desafiador para os dois sucessores de Galileo à frente do elenco da Coolmore. Wootton Bassett será representado por seus primeiros produtos concebidos na Irlanda, e Justify tem o potro de três anos mais aguardado da Europa, em muito tempo, City of Troy, dentre outros potenciais destaques.

“Temos mais Wootton Bassetts este ano do que nunca”, diz O’Brien. “Tivemos apenas dois potros de dois anos dele, no ano passado. Um é Unquestionable, que venceu a Breeders’ Cup Juvenile Turf (G1), e o outro, River Tiber, que é cerca de três ou quatro corpos melhor que Unquestionable, mas foi retirado da mesma corrida”.

Wootton Bassett é, sem dúvida, um excelente reprodutor, especialmente porque conseguiu o que conseguiu (nove vencedores de Grupo 1 "e contando", incluindo o “Champion” europeu, Almanzor) desde o início de sua carreira de garanhão. Mas é difícil identificar o que é um típico corredor seu, quando alguns dos seus filhos, como Bucanero Fuerte e Wooded, se destacam em corridas de velocidade, e outros, como Almanzor e King Of Steel, precisam de distâncias maiores.

Então, qual é a opinião de O’Brien? A palavra “genuíno” surge novamente.

“Eles (produtos de Wooton Bassett) têm muita velocidade e vão mostrar o que podem fazer rapidamente, então é preciso ter cuidado para não treiná-los em demasia”, diz ele. “Eles são genuínos, têm pressa, mas também podem ir na distância”.

Unquestionable foi até os Estados Unidos e agregou ao stud record de Wootton Bassett a Breeders' Cup Juvenile Turf (G1).

Imagem: Anne Erbhardt/Blood Horse

“Ele é muito parecido com Danehill nesse aspecto. Eles correm em todas as distâncias e gostam de correr. Você precisa, na realidade, desacelerá-los, em vez de pedir que trabalhem, e isso é ótimo em um cavalo, pois eles duram muito mais tempo".

“Pense nisso com os seres humanos: se você tiver que cobrar alguém por muito tempo para que ele faça alguma coisa, eventualmente essa pessoa jogará tudo para o alto e desistirá. É muito mais fácil quando alguém quer fazer o trabalho que lhe foi dado”.

São os Wootton Bassetts que têm tirado o sono de O’Brien, em que pese haver muitos outros animais da nova geração, de dois anos, em Ballydoyle, diz ele.

“Estamos um pouco abaixo do número de Justifys este ano, mas voltaremos em 2025”, acrescenta. “No entanto, temos 15 de Wootton Bassett este ano, e é neles que fico pensando. Há algo um pouco diferente neles. No ano passado tínhamos apenas dois, provavelmente os melhores que se podiam comprar no mercado, mas este ano temos raças caseiras e também alguns caros que foram comprados em leilão”.

Elogios para Justify, cuja primeira geração continha Statuette, treinada por O’Brien e vencedora do Airlie Stud Stakes, e cuja segunda geração inclui os campeões europeus de 2 anos, macho e fêmea, do treinador, City Of Troy e Opera Singer. Ele (Justify) pode vir a  ser o “melhor de todos”, diz ele.

O melhor de todos? Realmente?

“Ah, eu diria que sim”, insiste O’Brien. "Sem dúvida. Ele é definitivamente o mais diferente. Mesmo na conformação, ele é diferente de qualquer outro puro-sangue que você já viu. Ele é um cavalo grande, musculoso e poderoso. É inacreditável que ele tenha sido capaz de ser estendido e ganhar um Belmont".

“Eles se destacaram no momento em que chegaram aqui. São cavalos grandes, esguios, com passadas enormes, todos genuínos e com boa garganta. Tivemos que esperar para ver se eles tinham classe, mas assim que começaram a correr, entregaram tudo”.

Sensação do ture europeu, City of Troy desponta com o mais destacado filho de Justify, até aqui.

Imagem: Edward Whitaker/Blood Horse

“Se há algum garanhão no mundo que demonstrou classe, foi ele nos últimos três meses de sua campanha. Ninguém poderia ter pedido que ele fizesse mais do que fez. Um segue o outro como a noite segue o dia, e sua descendência é a mesma. Eles vão para frente, mantêm velocidade e aceleram. É tão empolgante".

"É inacreditável. Justify é um grande velocista, como um quarto de milha, que conseguiu vencer em 2400m. De onde é que isso veio? Acho que será inacreditável o que sua produção fará. Acho que ainda não vimos nada parecido com o que vai acontecer”.

Correndo o risco de ser expulso de Ballydoyle, pergunto a O’Brien como ele pode estar tão convencido de que City Of Troy e seus outros descendentes de Justify não serão "fogo de palha". No que Justify seria diferente de outros talentos incríveis de dois anos de idade, não treinados por O’Brien, como aconteceu muitas vezes, antes, a exemplo da prole de War Front, na última década?

“Quando você tem cerca de dez exemplares de qualquer garanhão, você descobrirá muito rapidamente o que está acontecendo”, diz ele com apenas uma leve irritação. “Você ouve as pessoas que trabalham com eles dia após dia, que não têm nenhum interesse em dourar a pílula, e eles dirão as coisas como as coisas são".

“Mas quem sabe alguma coisa sobre o que vai acontecer, algum dia? Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Tudo o que qualquer pessoa pode fazer é dar uma opinião honesta com base nas informações de que dispõe no dia e aceitar o que quer que aconteça. Todos nós podemos olhar para trás, com o benefício da retrospectiva, e perguntar: ‘Por que fiz isso ou aquilo?’ Mas não há nada que qualquer um de nós possa fazer. Apenas aceite e siga em frente".

Enquanto estou bancando o advogado do diabo, me pergunto se o estilo de correr na frente dos cavalos mais proeminentes do Justify na Europa significa que eles podem ser suscetíveis a táticas de destruição por parte das coudelarias rivais, neste ano.

“Ficaríamos muito felizes se alguém for atrás e tentar acompanhá-los”, O’Brien dá de ombros. “Quanto mais forte outro cavalo for contra eles, melhor eles serão. Cavalos com perfis como City Of Troy, quanto mais forte é o adversário, maior é a sua gana de correr. Eu adoraria se eles não tivessem que puxar o ritmo do páreo, mas o que você pode fazer se ninguém mais o faz?”

Há também a questão de Henry Longfellow, outro potro de dois anos do ano passado, que parecia um pouco acima da média ao vencer o National Stakes (G1), por cinco corpos, em setembro.

“Ele está invicto em três corridas e não poderia ter sido mais impressionante em Curragh”, diz O’Brien. “Ele é filho de Dubawi e dobra o joelho um pouco mais do que City Of Troy, o que significa que provavelmente gostará de uma pista mais macia. Eu não tinha certeza se City Of Troy iria gostar (da raia macia), mas ele passou por isso no Dewhurst Stakes (G1), de qualquer maneira”.

Henry Longfellow: outra promessa de Ballydoyle para 2024.

Imagem: Sporting Life

“Ele (Henry Longfellow)  é um cavalo que parece ter muito carinho das pessoas, e nós também gostamos dele. Ele nasceu de uma ótima égua, Minding, provavelmente uma das melhores que já tivemos. Para vencer Grupos 1, da milha aos 2400m, aos três anos, é preciso algum esforço. Ela foi incrível, embora obviamente Dubawi também seja um garanhão muito bom”.

Dubawi é um dos vários reprodutores de elite identificados pela Coolmore como um outcross digno para suas muitas éguas Galileo de elite, como Minding, juntamente de nomes como os de Fastnet Rock, War Front, Wootton Bassett e Justify.

Outro caminho que foi explorado com sucesso foi o Japão, especialmente o fenômeno já desaparecido Deep Impact. O filho de Sunday Silence deve ser o protagonista de maior sucesso de O’Brien, proporcionalmente falando, já que seus relativamente poucos representantes em Ballydoyle incluíram Auguste Rodin, Saxon Warrior e Snowfall.

“É incrível”, comenta O’Brien. “Tivemos apenas alguns Deep Impacts e eles vieram em todos os formatos e tamanhos – grandes, pequenos – mas quase todos eles eram muito bons. Tínhamos uma potranquinha chamada September, juro que ela poderia ter passado debaixo daquela porta ali, mas ela era ótima. É uma pena que não  tenhamos conseguido trazer mais (filhos de Deep Impact) até o final de sua atuação na reprodução”.

“É por isso que John (Magnier) enviou Rhododendron, outra de nossas melhores éguas Galileo, para Deep Impact. Lembro que quase pensei duas vezes sobre isso na época, enviando uma égua como ela para o Japão. Não que eu não apoiasse, não questionaria de forma alguma, mas não entendi muito bem. John tinha em mente obter os melhores Deep Impacts, no entanto".

Auguste Rodin, que brilhou, intensamente, em 2023, é filho do japonês Deep Impact.

Imagem: Skip Dickenstein/Blood Horse

“Temos Auguste Rodin desse cruzamento, é claro, e ele se saiu incrivelmente bem entre três e quatro anos. Ele é um cavalo lindo, com uma ótima ação e é muito genuíno. Ele é um cavalo empolgante”.

“Começaremos em Dubai com ele, voltaremos para a Tattersalls Gold Cup, seguiremos para Ascot, no Prince of Wales’s Stakes, e então poderemos dar uma olhada em tentar a areia. É isso que os “lads” estão pensando.”

A Coolmore também obteve o enfático vencedor do St Leger do ano passado, Continuous, do falecido Heart’s Cry, a partir de seus empreendimentos japoneses.

“Ele é um bom galopador e pode ser uma bênção disfarçada que ele não tenha conseguido disputar a Japan Cup, já que dizem que os Heart’s Crys são melhores com quatro e cinco anos”, diz O’Brien.

No decorrer da viagem a Ballydoyle, foi-me confirmado que Coolmore continuaria a perseguir reprodutores japoneses, mesmo na ausência de Deep Impact e Heart's Cry, e utilizaria o  melhor cavalo do mundo, Equinox, seu pai Kitasan Black e o filho de Deep Impact vencedor da Tríplice Coroa, Contrail.

Resumindo sua opinião sobre a criação, O’Brien diz: “Quando você treina cavalos e trabalha de perto com eles, o pedigree é tudo. As características familiares e os pequenos hábitos que eles têm se destacam, e a semelhança entre irmãos pode ser incrível”.

“John é totalmente orientado para o pedigree e é incrível aprender com ele. Ele diz que é um roteiro e eu percebi isso. Diz a você o que eles podem fazer, com o que podem lidar. Uma pequena mudança na forma como você trata um cavalo, com base no pedigree, pode fazer uma grande diferença".

“É estranho como isso é inconstante. Há uma grande composição de genes em um cavalo que leva a determinadas características, mas às vezes aquelas que você espera 'ver' no pedigree não estão lá. No entanto, se você ajustar um pouco na forma como treina o cavalo, isso pode ativar os genes que você deseja e levá-los a fazerem as coisas acontecerem. Como estamos tão perto dos cavalos e vemos muitos deles todos os dias, você realmente percebe essas coisas.”

Acentuar certas características familiares também pode ser feito através de um cruzamento criterioso, prossegue ele.

“Quando você tem um grande número de cavalos de um determinado pai, como fizemos com Galileo ou Justify, por exemplo, torna-se imediatamente evidente quais são seus pontos fortes”, continua ele. “O chefe saberá disso e então adicionará éguas para se adequar aos garanhões ou corrigirá suas falhas”.

“Provavelmente tudo depende do macho dominante. Se você conseguir o macho dominante que se imprime na sua produção, como Galileo e Justify fizeram, então você saberá como cruzá-los, e as características que você deseja aparecerão”.

E quanto ao físico? Existe algo que O’Brien reconheceu como um atleta superior, ou pelo menos um indivíduo fácil de trabalhar?

O treinador afirma ter a mente totalmente aberta sobre o assunto, dizendo: “Os 'lads' sempre vão atrás de um cavalo bonito, que tenha bom caminhar e com força, mas não existe uma regra. É disso que as pessoas precisam se lembrar. Você pode ter um péssimo caminhador que se revela tão talentoso quanto um bom caminhador. Qualquer um que pensa que sabe como é um bom cavalo de corrida, numa fase tão precoce (da seleção de potros), está apenas se enganando”.

“Você tem que começar com um pedigree, no entanto. O cavalo tem que ser de um bom garanhão e de uma boa égua, de boa família. Somente quando você começar a treiná-los você descobrirá que alguns deles vão querer isso e aquilo, mas outros não. Aqueles que não querem, você não pode obrigá-los”.

“É como seres humanos, novamente. Não importa como você é fisicamente, se você quiser, seu corpo mudará para a forma de um atleta, não importa o que aconteça. Mas você tem que querer”.

O’Brien nem sequer admite quaisquer pequenas fraquezas que são frequentemente citadas pelos treinadores como razões para depositarem a sua fé num cavalo: um olho gentil, orelhas grandes e curiosas ou um balançar elegante do rabo.

“Não posso dizer que nenhuma dessas coisas não funcione”, diz ele. “É como alguns preferem uma perna traseira reta, outros uma perna enganchada, alguns gostam de dorsos longos, outros de dorsos curtos. Mas o importante é ter consciência de que mesmo três ou quatro características positivas num mesmo cavalo não os tornarão bons”.

“Um cavalo pode ter um monte de fraquezas, mas uma grande força pode carregar todas as coisas negativas. Você geralmente verá isso em seus movimentos à medida que passam. Bons cavalos têm uma presença diferente”.

“É como conhecer pessoas. Às vezes, alguém pode parecer que é um pouco diferente. Geralmente é isso que os bons cavalos têm. Eles podem ter outras falhas, podem não conseguir andar com classe para salvar suas vidas, mas ainda assim podem ser bons”.

“Você simplesmente não pode classificar cavalos devido às características físicas. Se você acha que pode, deixará muitos bons para trás. O que eles geralmente precisam é de um pai dominante e de um bom pedigree por parte da mãe.”

Esse pensamento, sem dúvida, orienta os próprios projetos de criação da família O'Brien na Whisperview Trading, que produziu uma infinidade de vencedores de clássicos, a partir de éguas bem criadas e que foram adquiridas de forma bastante barata - incluindo a heroína do Oaks, Qualify; os irmãos vencedores do Grupo 1 Iridessa, Order of Australia e Santa Bárbara; e Beethoven, Intricately, Kingsbarns e Thunder Moon, notáveis corredores de 2 anos.

A família O'Brien constrói sua história em torno da criação, do treinamento e da condução dos cavalos de corrida.

Imagem: Racingfotos.com/TDN

Porta Fortuna, uma potranca Caravaggio treinada por Donnacha O’Brien (filho de Aidan) e que originalmente carregava as sedas de sua mãe, Annemarie, antes de ser vendida a proprietários residentes nos Estados Unidos, juntou-se a essa lista ao vencer o Cheveley Park Stakes (G1), no ano passado.

“Ana cuida de tudo isso agora”, diz O’Brien. “Annemarie tem uma grande contribuição, assim como Joseph, Donnacha e Sarah. Imagino que o que Ana fará é colocar as éguas nos melhores garanhões que puder – Wootton Bassett, Camelot, St. Marks Basilica, Sottsass e assim por diante. O Australia é um que sempre gostamos e sei que Little Big Bear era ainda melhor do que aquilo que demonstrou em pista”.

“Paddington é outro que tenho certeza que ela gostaria de usar. Ele foi incrível no ano passado. Quase o arruinei correndo com ele semana após semana, em todas as grandes corridas, mas ele continuou respondendo e deve ser um cavalo incrível para ter feito isso. Ele obteve a velocidade de Siyouni e a classe de Montjeu, então ele é muito empolgante.”

Pergunto quantas éguas aparecem no portfólio Whisperview agora, indicando que perdi a conta depois das 50 que contei no reporte oficial de éguas cobertas. O’Brien estufa as bochechas em fingida exasperação e gira o dedo indicador direito para cima para indicar que subestimei significativamente.

“A lista subiu muito e está cada vez maior”, diz ele com uma risada de resignação. “Eu fico fora disso e deixo eles seguirem em frente”.

A essa altura, já tínhamos marcado 45 minutos de conversa no gravador, relembrando alguns dos outros cavalos importantes da época de O'Brien em Ballydoyle - como, por exemplo, a produção de Montjeu era “excêntrica, mas brilhantes e nunca foram falsos” e por que “não vimos nada parecido com o seu melhor filho” Camelot, na reprodução.

O’Brien já se encontra na hora de iniciar sua caminhada diária pelo centro de treinamento que se assemelha a uma cidade em tamanho, extensão e comodidades para as cocheiras. Então, faço apenas uma última pergunta: o que faz O’Brien ter seu lugar cativo na história do turfe? Porque, não se engane, ele será considerado o treinador mais importante da era moderna, senão o mais importante de todos os tempos.

Ele já detém todos os tipos de recordes – a maioria dos Clássicos Europeus, a maioria dos Derbies, a maioria das estatisticas de treinadores na Irlanda – e não mostra sinais de abrandamento, pelo que certamente acabará por estabelecer contagens finais que serão impossíveis de ultrapassar, durante muitas gerações.

O'Brien não aceita nada disso, no entanto. Ele rejeita qualquer sugestão de que essas conquistas sejam importantes para ele. Tudo se resume a um dia de trabalho, ele insiste.

“Eu juro, essas marcas nunca são levadas em consideração por mim”, diz ele. “Eu apenas tento sobreviver a cada dia. Podemos não estar aqui amanhã, pelo que sabemos. A única coisa que realmente me importa é o melhor para o cavalo naquele momento e depois dançar conforme a música”.

“Fazemos o nosso melhor todos os dias e às vezes funciona e outras vezes não. As coisas podem não funcionar sempre da melhor maneira, mas sempre sei que não poderíamos ter feito mais”.

Mas certamente ele deve obter alguma satisfação com o seu posto em meio aos maiores treinadores da história do esporte. Afinal, ele é apenas humano. Ou, dito de forma mais direta, se cada recorde atingido não é, realmente, uma fonte de prazer para ele, por que continuar?

"Porque eu preciso!" ele exclama. “Muito do sucesso do negócio depende disso. Estamos todos aqui por John e Sue (Magnier), Michael e Doreen (Tabor), Derrick e Gay (Smith), Georg e Emily (Von Opel) e Peter Brant e sua esposa Stephanie, e devemos isso a eles para fazer funcionar”.

“Há muitas pessoas ganhando a vida e criando famílias com base nisso, e essa é a principal responsabilidade que sinto. Temos que continuar para que todos continuem vivendo”.

A busca obstinada de O’Brien em treinar os vencedores do Grupo 1 não é um ato totalmente altruísta, como ele confessa: “A única coisa que gosto de fazer é isso. É meu hobby e também meu trabalho. Pode ser difícil para todos ao meu redor, mas é assim que as coisas são”.

“Se eu estivesse trancado aqui com os cavalos e nunca mais visse o mundo exterior, ficaria feliz. Eu adoro as pessoas daqui e gosto de falar com elas sobre os cavalos, fico muito mais relaxado fazendo isso”.

Isso provavelmente ajuda a explicar por que o pedigree é tão importante para O’Brien, mas os aplausos não; por que ele conversará longamente sobre algo tão importante quanto o potencial de Justify e Wootton Bassett, ou tão trivial quanto o potencial de Dylan Thomas como avô materno, mas recuará horrorizado quando solicitado a refletir sobre suas próprias realizações.

São esses pedigrees que funcionam como um manual para tirar o melhor proveito de cada cavalo, e tirar o melhor proveito de cada cavalo garante que ele possa manter sua posição no centro de um ecossistema próspero em Ballydoyle.

Nenhuma condecoração realmente importa a O'Brien. Ao menos, não a contagem de vencedores ou troféus. Eles não o ajudarão a encontrar o próximo animal de primeira classe. No entanto, uma página de catálogo, com chefes de raça e suas conquistas, isso sim, é capaz de fazê-lo.

(Tradução realizada por Fabrício Buffolo e Victor Corrêa)

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